Ferro é importante para a vida e para o avanço tecnológico, mas sua extração pode trazer impactos ambientais

O que seria do desenvolvimento humano sem o ferro? Assim como o alumínio, o ferro metálico é um dos metais mais presentes no nosso cotidiano. Dos talheres que você usa para almoçar até as estruturas de grandes edifícios. Mas o que é o ferro e quais são os benefícios e malefícios que a sua utilização pode nos trazer? Além do ferro metálico, quais são os outros estados em que o ferro se apresenta na natureza?
O ferro
Dentre os elementos mais abundantes na superfície terrestre, a litosfera, o ferro é o quarto elemento mais presente e o segundo metal mais abundante. Apesar do ferro metálico ser muito presente na sociedade desde tempos antigos, ele não é encontrado em sua forma metálica (Fe0), mas sim em sua forma oxidada [ferroso (Fe2+) e férrico (Fe3+)], principalmente em minérios.

Imagem: dados adaptados de www.ufrgs.br
O ferro não é uma molécula, mas sim um elemento químico, ou seja, ele não é formado por meio de reações químicas simples e de baixa energia que ocorrem em nosso planeta, mas sim via fusões atômicas ocorridas em estrelas. Entenda um pouco mais sobre o surgimento do ferro no vídeo produzido por Jane Gregorio-Hetem (IAG/USP) e Annibal Hetem Jr. (UFABC), financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq):
O ferro é tão marcante na evolução da raça humana que uma das idades pré-históricas é marcada por este metal. As sociedades pré-históricas são classificadas em um sistema de quatro idades, Pedra Polida, Cobre, Bronze e Ferro. A Idade do Ferro é marcada pelo desenvolvimento da metalurgia e o surgimento de ferramentas feitas de ferro e aço - estima-se que a primeira sociedade da era floresceu por volta de 1200 a.C., na região da Anatólia (atual região da Turquia).
Outro exemplo mais atual de grande impacto do ferro na sociedade é a ferrovia. Um dos meios de transporte mais importantes, antigamente e atualmente, leva o ferro em seu nome e foi inventado graças à manipulação e utilização do ferro metálico, acelerando o desenvolvimento da sociedade moderna.
A importância desse elemento vai além da sua utilização em ferramentas. Acredita-se que o núcleo da Terra é constituído majoritariamente por ferro metálico, o que, graças a ele, gera um campo magnético no nosso planeta, que é responsável por proteger toda a vida existente dos raios cósmicos. Se não existisse esse campo magnético, o sistema de vida que conhecemos poderia não existir.
Do centro da Terra até nossas veias
A natureza sempre busca utilizar os elementos mais abundantes para a criação e manutenção da vida. Além da proteção contra os raios cósmicos que o ferro gera para a vida no planeta, ele também é um elemento extremamente vital para quase todos os tipos de animais que conhecemos. O ferro é fundamental até para a nossa respiração, sendo o principal átomo da hemoglobina, além de ser responsável pela cor vermelha do sangue. Também é responsável pelo transporte de oxigênio para as células de todo o nosso corpo.

Imagem: Peter Rejcek / National Science Foundation
Ferro em alimentos
Provavelmente, você já ouviu falar sobre a pessoa ter que comer mais feijão para ficar mais "forte", pois tem ferro. Consumir alimentos ricos em ferro é essencial para o corpo humano e o ferro está presente em diversos tipos de organismos, tanto animais quanto vegetais. No caso da hemoglobina do sangue, a deficiência do ferro na corrente sanguínea diminui o transporte de oxigênio para as células do corpo, afetando assim a imunidade do sistema como um todo e causando anemia. A ingestão de ferro é de extrema importância para a manutenção não só da hemoglobina, mas também de diversas metaloenzimas responsáveis pela nossa saúde.
O ferro, presente em alimentos, é disponível em duas categorias: ferro heme e ferro não-heme. O ferro heme é encontrado na carne animal e já está na forma pronta de absorção, tendo de 10% a 30% do total absorvido após o consumo. Já a absorção do ferro não-heme é de 2% a 20% do total, sendo necessário o consumo de alimentos ricos em vitamina C para a melhor absorção, o que não é nenhum problema. O ferro não-heme é proveniente de fontes vegetais, como feijão e cereais, e a vitamina C de cítricos como kiwi, limão, laranja, dentre outros, ajuda sua melhor absorção.
O ferro heme, normalmente, apresenta o ferro Fe2+ e está envolvido por moléculas que o protegem e contribuem com a sua absorção na parede do intestino. Já o ferro não heme, em geral, apresenta o Fe3+ e/ou é ligado com moléculas que não possuem uma boa contribuição para a sua absorção.
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) recomenda que a quantidade de consumo diário necessária para um adulto seja de 14 mg de ferro, sendo, para gestantes, quase o dobro: 27 mg. Passa saber quais são os alimentos ricos em ferro, dê uma olhada na matéria: "Quais são os alimentos ricos em ferro?".
Mas não se preocupe, se você escolheu seguir uma dieta livre de carne existem dicas para aumentar a absorção do ferro de origem vegetal. Uma delas é: consuma ou prepare o alimento adicionando suco de limão ou laranja - na hora de preparar sua salada de rúcula (rica em ferro), por exemplo, adicione suco de limão, pois ele é rico em ácido ascórbico (Vitamina C), que irá transformar o Fe3+ em Fe2+, complexar e facilitar sua absorção pelo organismo.
O ferro metálico (Fe0)
A descoberta e o manuseio do ferro foi um passo muito importante para a evolução da humanidade e o primeiro passo para o surgimento das ligas de aço. Quando alguns átomos e/ou moléculas são adicionados ao ferro, como o carbono, é então formado o aço, uma das ligas metálicas mais importantes do mundo moderno.
O Brasil ocupa a segunda posição na produção mundial de minério de ferro (estava em primeiro até 2009, porém foi ultrapassado pela Austrália). Apesar de ser o segundo maior produtor de minério de ferro, o Brasil ocupa a nona posição entre os maiores produtores de aço e outros materiais provenientes do ferro. Parece não fazer muito sentido, mas a justificativa é que o Brasil exporta quase todo o seu minério extraído.
A produção de minério de ferro em 2014 atingiu 400 milhões de toneladas, e foram exportadas cerca de 344 milhões de toneladas do minério neste mesmo ano, gerando uma receita de mais de 25 bilhões de dólares, sendo o produto básico com a maior receita do ano - maior até que a receita gerada pela soja e pelo óleo de petróleo bruto. Apesar de ser o segundo maior produtor de minério de ferro, o Brasil produz apenas 2% de todo o aço produzido mundialmente.
Processo de obtenção do ferro e seus impactos ambientais
- Extração do minério bruto;
- Tratamento e beneficiamento;
- Processamento do minério;
- Extração e tratamento do minério bruto.
Após ser coletado, o minério bruto precisa passar por um processo chamado de beneficiamento, que o tornará mais adequado ao processo de obtenção do ferro metálico. O processo de beneficiamento é a etapa mais importante, e, provavelmente, a que gera maior quantidade de resíduos. Fazem parte desse processo as seguintes operações: britamento, classificação, moagem, concentração e aglomeração.
Entre os processos mais importantes no beneficiamento, a britagem consiste em fragmentar o minério, buscando atingir uma dimensão adequada para a sua separação posterior na etapa de classificação. Na classificação, os grãos são divididos em três classes: granulado, sinter-feed e pellet-feed. Os grãos classificados como granulados estão prontos para serem utilizados na última etapa, a da obtenção do ferro. Sinter-feed e o pellet-feed são partículas com dimensões muito pequenas para serem utilizadas diretamente na última etapa, por isso passam por processo de aglomeração.
Nas mineradoras, o processo de aglomeração é feito por meio da pelotização, em que as partículas mais finas do minério (pellet-feed) passam por um processo que as transformam em pelotas, permitindo aproveitar as partículas finas e melhorando o desempenho no processo siderúrgico.
Nas siderúrgicas, o processo de aglomeração é feito através da sinterização, que é o tratamento térmico das partículas finas do minério, chamados de sinter-feed, dando origem às partículas sinter, que podem ser levadas ao alto-forno.
A água desempenha um papel muito importante em quase todas as etapas do processo de tratamento do minério, sendo extremamente utilizada nos processos de aglomeração e concentração. A utilização das técnicas de flotação, hidrociclones e lavagem são etapas em que a água é extremamente utilizada, resultando em um resíduo difícil de ser tratado: a lama.
Resíduo difícil de tratar
Assim como o processo de obtenção do alumínio, o ferro possui também um rejeito muito problemático e com poucas alternativas para o seu tratamento: a lama. Um exemplo da quantidade de produção de lama é o do Projeto de Itabiritos de Vargem Grande (ITMI VGR), em Minas Gerais, que tem uma geração de 565 toneladas de lama por hora.
O destino mais comum para essa lama, no Brasil, é a sua disposição em reservatórios a céu aberto. A lama é transportada, normalmente por gravidade ou bombeamento, para reservatórios, como piscinas, onde são contidas por barragens. Nestes reservatórios, a lama é depositada e se seca, porém não se solidifica totalmente.
Essa lama contém óxidos de ferro e silício, podendo ter presença de outros metais, o que, dependendo do solo extraído, não apresenta nível de toxicidade. A lama apresenta um impacto ambiental muito significativo, alterando toda a composição do solo, deixando-o saturado com estes compostos. Apesar de não apresentar toxicidade direta, se chegar a atingir rios, além de poder influenciar no pH e composição de nutrientes dissolvidos na água, a lama turvará o meio, impedindo assim a penetração de luz na água e podendo matar a vida que dependa de fotossíntese, impactando indiretamente todo o ambiente.
Além de ocupar uma área enorme, com lama extremamente saturada de óxidos de ferro e silício, essas barragens podem oferecer um perigo muito grande para a sociedade e a natureza do entorno, principalmente quando são mal fiscalizadas. Se não forem bem estruturadas e fiscalizadas, correm risco de romperem e causarem devastação em uma área gigantesca, podendo causar danos irreversíveis. A lama, quando atinge o solo, não oferece toxicidade, porém torna o solo infértil, destrói a vegetação rasteira e de médio porte, podendo também matar animais com a enxurrada inicial.
Infelizmente, em novembro de 2015, o Brasil teve um exemplo da devastação, com o rompimento de uma barragem da Samarco em Mariana (MG). Entenda como foi o caso e quais os danos ambientais causados. Outro exemplo infeliz foi o rompimento da barragem de rejeitos da empresa Vale, em 2019, também em Minas Gerais, em Brumadinho, e com maior custo humano do que caso de Mariana. Entenda os detalhes do caso e os impactos causados.
Extensão da devastação
Uma mina de minério de ferro ocupa uma área muito grande, proporciona devastação para o solo, mata, animais e para o relevo natural presente naquela área, podendo até influenciar mudanças climáticas na região. Existe outro efeito que pode se estender por quilômetros de distância, o que diz respeito ao transporte deste minério: a ferrovia.
Pode não parecer um problema muito grande, mas o transporte do minério de ferro até os principais portos para exportação é feito exclusivamente por ferrovias, muitas das quais são exclusivas para o transporte deste minério. Como o Brasil exporta quase todo o minério que extrai, existe uma grande necessidade de construção de ferrovias que liguem as minas com os portos. Além da devastação que a construção de uma ferrovia pode trazer, a poluição sonora que ela proporciona pode impactar, e muito, a fauna da região onde passa. Veja mais sobre os impactos ambientais gerados pelos tipos de transportes.
Processamento do minério
Após passar pelo beneficiamento e atingir as dimensões desejadas, o minério de ferro é levado para a obtenção do ferro metálico nas siderúrgicas. Como o ferro puro não possui um alto interesse econômico, quase todo o minério de ferro extraído é destinado para a produção de aço, que é o ferro com baixas porcentagens de carbono presente em sua estrutura.
As plantas siderúrgicas são divididas em dois tipos: usinas integradas e usinas semi-integradas
Usinas integradas
Nelas, o aço será produzido a partir do minério de ferro. Basicamente, o processo para a obtenção do ferro se dá na reação do minério de ferro (presente como óxido de ferro) e o monóxido de carbono (CO) em um forno chamado alto-forno. Após ser sinterizado, o minério de ferro apresenta dimensões adequadas para ser processado no alto-forno e também apresenta calcário em sua composição. Para este processo, é necessário a utilização de carvão, onde será tratado para a retirada de impurezas indesejáveis e ter uma maior eficiência no processo.
Após ser tratado, o carvão recebe o nome de coque. Quando despejados no alto-forno, o coque reage com o oxigênio que é injetado dentro do forno, formando o monóxido de carbono (CO), que por sua vez reage com o óxido de ferro (presente no minério), resultando assim no ferro metálico (Fe0) e dióxido de carbono (CO2). O calcário que estava presente no minério serve para abaixar o ponto de fusão dos demais elementos presentes, formando a chamada escória, e permitindo a separação por densidade. No final do processo, é formado o ferro-gusa, que é uma liga quebradiça formada de ferro e carbono, porém a porcentagem de carbono é em torno de 5%. Na aciaria, unidade da usina siderúrgica em que se localizam as máquinas necessárias para realizar os processos descritos, o ferro-gusa é usado como matéria-prima para a produção de diferentes tipos de aços e ligas, por meio de adição ou remoção de elementos na estrutura da liga, adquirindo assim diferentes propriedades.
Usinas semi-integradas
É onde o aço será produzido a partir de sucatas metálicas. Por meio de uma corrente elétrica, as sucatas metálicas são aquecidas até o seu derretimento, passando posteriormente por um sopro de oxigênio para a retirada de suas impurezas. Dependendo da origem da sucata, é necessário passar por diferentes tratamentos para a retirada de impurezas e, assim, haver a obtenção do aço desejado.
O dióxido de carbono (CO2) é um dos produtos da reação que é gerado durante a obtenção do ferro gusa, possuindo assim um impacto ambiental significativo. Teoricamente, sem considerar o gás carbônico formado da reação do calcário, apenas o do monóxido de carbono (CO) com o óxido de ferro, a cada 1 kg de ferro produzido, em torno de 1,1 kg de CO2 é emitido. Segundo o relatório de 2014 do Instituto Aço Brasil, em 2013, foram emitidas 50 milhões de toneladas de CO2 proveniente da produção de aço no Brasil, tendo uma relação de que, a cada 1 tonelada de aço produzida, 1,7 toneladas de CO2 são emitidas.
Para entender mais sobre a produção do ferro-gusa e o aço, veja o vídeo produzido pela PUC Rio em parceria com o Ministério da Educação, o Ministério da Ciência e Tecnologia e o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação:
Reciclagem
Assim como a reciclagem de diversos materiais, a reciclagem de sucatas de aço consome menos energia do que a produção na indústria integrada, além do fato de recuperar o que seria um resíduo no meio ambiente e evitar a emissão massiva de CO2 na atmosfera. O aço é 100% reciclável, não alterando suas propriedades e nem se perdendo durante o processo de reciclagem.
Como o aço é um metal magnético, para separá-lo de outros metais misturados a ele, pode-se usar um eletroímã. Mesmo com a possibilidade de separar o aço de outros metais ou impurezas é recomendável, no entanto, que o aço esteja limpo quando for enviada para a reciclagem, para que os detritos orgânicos e a terra não dificultem o processo.
O aço é totalmente reciclável, ou seja, quando você o descarta na coleta seletiva ele pode voltar infinitas vezes à sua casa, em forma de tesoura, maçaneta, arame, automóvel, geladeira ou, até mesmo, latas. Há apenas alguns tipos de itens, como solventes, tintas e outros conteúdos, que contêm compostos nocivos que devem ser devolvidos aos fabricantes para que eles limpem os resíduos antes de enviarem para o reaproveitamento.
Consulte onde descartar sucatas, resíduos de aço e outros tipos de resíduos.
Veja também:
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